EVANGELHO DO DIA E HOMILIA

O AMANHECER DO EVANGELHO

REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE

PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM

Tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes.

Evangelho (Mc 8,14-21): Os discípulos se esqueceram de levar pães; tinham apenas um pão consigo no barco. Jesus os advertia, dizendo: «Atenção! Cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes». Os discípulos começaram então a discutir entre si, porque não tinham pães. Percebendo, Jesus perguntou-lhes: «Por que discutis sobre o fato de não terdes pães? Ainda não entendeis, nem compreendeis? Vosso coração continua incapaz de entender? Tendo olhos, não enxergais, e tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais? Quando reparti cinco pães para cinco mil pessoas, quantos cestos recolhestes, cheios de pedaços?» — «Doze», responderam eles. «E quando reparti sete pães com quatro mil pessoas, quantos cestos recolhestes, cheios de pedaços?» —«Sete», responderam. Jesus então lhes disse: «E ainda não entendeis?».

* O Evangelho de ontem falava do mal-entendido entre Jesus e os fariseus. O evangelho de hoje fala do mal-entendido entre Jesus e os discípulos e mostra como o “fermento dos fariseus e de Herodes” (religião e governo), tinha tomado conta da cabeça dos discípulos a ponto de eles não entenderem mais nada da Boa Nova.

Marcos 8,14-16Cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes 

Jesus adverte os discípulos: “Cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes”. Mas eles não entendem as palavras de Jesus. Acham que ele falou assim por eles terem se esquecido de comprar pão. Jesus fala uma coisa e eles entendem outra. Este desencontro era resultado da influência insidiosa do “fermento dos fariseus” na cabeça e na vida dos discípulos.

Marcos 8,17-18ªAs perguntas de Jesus 

Diante desta falta quase total de percepção nos discípulos, Jesus faz uma série de perguntas rápidas, sem esperar uma resposta. Perguntas duras que evocam coisas muito sérias e revelam uma total incompreensão por parte dos discípulos. Por incrível que pareça, os discípulos chegaram num ponto em que já não se diferenciavam dos inimigos de Jesus. Anteriormente, Jesus tinha ficado triste com a “dureza de coração” dos fariseus e dos herodianos (Mc 3,5). Agora, os próprios discípulos têm o “coração endurecido” (Mc 8,17). Anteriormente, “os de fora” (Mc 4,11) não entendiam as parábolas, porque “tinham olhos e não enxergavam, ouvidos e não escutavam” (Mc 4,12). Agora, os próprios discípulos já não entendem mais nada, porque “tem olhos e não enxergam, ouvidos e não escutam” (Mc 8,18). Além disso, a imagem do “coração endurecido” evocava a dureza de coração do povo do AT que sempre se desviava do caminho. Evocava ainda o coração endurecido do faraó que oprimia e perseguia o povo (Ex 4,21; 7,13; 8,11.15.28; 9,7…). A expressão “tem olhos e não veem, ouvidos e não ouvem” evocava não só o povo sem fé, criticado por Isaías (Is 6,9-10), mas também os adoradores dos falsos deuses, dos quais o salmo dizia: “eles têm olhos e não veem, têm ouvidos e não ouvem” (Sl 115,5-6).

Marcos 18b-21As duas perguntas sobre o pão 

As duas perguntas finais tratam da multiplicação dos pães: Quantos cestos recolheram na primeira vez? Doze! E na segunda vez? Sete! Como os fariseus, os discípulos, apesar de terem colaborado ativamente na multiplicação dos pães, não chegaram a compreender o seu significado. Jesus termina: “E vocês ainda não compreendem?” A maneira de Jesus lançar todas estas perguntas, uma depois da outra, quase sem esperar pela resposta, parece uma ruptura. Revela um desencontro muito grande. Qual a causa deste desencontro?

A causa do desencontro entre Jesus e os discípulos 

A causa do desencontro entre Jesus e os discípulos não foi a má vontade deles. Os discípulos não eram como os fariseus. Estes também não entendiam, mas neles havia malícia. Eles usavam a religião para criticar e condenar Jesus (Mc 2,7.16.18.24; 3,5.22-30). Os discípulos, porém, eram gente boa. Não tinham má vontade. Pois, mesmo sendo vítimas do “fermento dos fariseus e dos herodianos”, eles não estavam interessados em defender o sistema dos fariseus e dos herodianos contra Jesus. Então, qual era a causa? A causa do desencontro entre Jesus e os discípulos tinha a ver com a esperança messiânica. Havia entre os judeus uma grande variedade de expectativas messiânicas. De acordo com as diferentes interpretações das profecias, havia gente que esperava um Messias Rei (cf. Mc 15,9.32). Outros, um Messias Santo ou Sacerdote (cf. Mc 1,24). Outros, um MessiasGuerrilheiro subversivo (cf. Lc 23,5; Mc 15,6; 13,6-8). Outros, um Messias Doutor (cf. Jo 4,25; Mc 1,22.27). Outros, um Messias Juiz (cf. Lc 3,5-9; Mc 1,8). Outros, um Messias Profeta (6,4; 14,65). Ao que parece, ninguém esperava pelo MessiasServidor, anunciado pelo profeta Isaías (Is 42,1; 49,3; 52,13). Eles não se lembravam de valorizar a esperança messiânica como serviço do povo de Deus à humanidade. Cada um, conforme os seus próprios interesses e conforme a sua classe social, aguardava o Messias, querendo encaixá-lo na sua própria esperança. Por isso, o título Messias, dependendo da pessoa ou da posição social, podia significar coisas bem diferentes. Havia muita confusão de ideias! E é nesta atitude de Servidor que está a chave que vai acender uma luz na escuridão dos discípulos e que vai ajudá-los a se converter. Só mesmo aceitando o Messias como sendo o Servo Sofredor de Isaías, eles seriam capazes de abrir os olhos e de entender o Mistério de Deus em Jesus.

 

Para um confronto pessoal

1) Qual é hoje o fermento dos fariseus e de Herodes para nós? O que significa hoje, para mim, ter o “coração endurecido”?

2) O fermento de Herodes e dos fariseus impedia os discípulos de entender a Boa Nova. Será que hoje a propaganda da televisão nos impede de entender a Boa Nova de Jesus?

 

 Evangelho – Mc 8,14-21

Tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes.
Este Evangelho que Jesus e os discípulos estavam na barca, e os discípulos estavam preocupados porque tinham se esquecido de levar pão. “Jesus falou: Tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes”. Eles pensaram que Jesus estava falando do fermento material. Jesus os repreendeu. Lembrou-lhes que no dia anterior havia multiplicado pães para uma multidão, e disse: “Tendo olhos, não vedes, e tendo ouvidos, não ouvir?”
Tanto os fariseus como Herodes buscavam exageradamente a própria segurança, sem confiar em Deus. E essa busca se transformava em ganância, que gera a exploração do próximo, a desunião etc. Como os fariseus e Herodes pertenciam à classe alta, o seu exemplo de vida atuava na sociedade como o fermento, isto é, transformava toda a massa.
Nós passamos a vida preocupados com o pão material, e nos esquecemos de nos dedicar mais às coisas de Deus. O cristão não se preocupa demais com as coisas materiais, sabendo que Deus é Pai providente. Por isso não acumulam bens, e substituem o comércio pela gratuidade e a concentração pela partilha.
Na visita de Jesus aos seus amigos Marta, Maria e Lázaro, Marta cometeu um erro semelhante. Ao invés de ouvir Jesus, como sua irmã, ficou atarefada na preparação de comida e pouso para os queridos visitantes. E Jesus deu bronca: “Marta, Marta! Tu te preocupas com tantas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”.
Os três grandes pecados do mundo são a concupiscência da carne, a cobiça dos olhos e a soberba da vida. Todos provêm da falta de fé, e são as raízes de todos os pecados que cometemos (Cf 1Jo 2,15-16).
O “fermento dos fariseus e o fermento de Herodes” era a preocupação exagerada pela própria segurança e sobrevivência, esquecendo-se de confiar mais em Deus, e obedecer-lhe servindo ao próximo.
O milagre da multiplicação dos pães aconteceu exatamente quando Jesus e os discípulos fizeram o contrário dos fariseus e de Herodes: repartiam com os outros o pouco que tinham.
Os fariseus tinham uma maneira de ser religioso muito comum em todos os tempos: praticar a religião egoísticamente, sem viver no amor. E sendo, tanto os fariseus como Herodes, gente importante na sociedade, os Apóstolos corriam sério perigo de ir na onda deles, o que já estava começando a acontecer naquela preocupação com o esquecimento dos pães.
Os fariseus estavam dispostos a servir a Deus; mas Deus, em troca, devia reconhecer os méritos deles e premiá-los. Esta é a mentalidade da maioria das seitas atualmente, torcendo para o inverso a frase de S. Francisco em sua oração: “É dando que se recebe”.
O fariseu evita o trato simples com os demais, por medo de que descubram seus sentimentos. Ele sabe que tem as mesmas fraquezas, apesar de ser praticante da Lei. Mas não tem a chave da superação dos próprios defeitos, que é a oração humilde. Não lhe resta, portanto, outro caminho senão salvar as aparências, através de uma conduta externa irrepreensível.
A Irmã Dulce nasceu em Salvador – BA, em 1914. Como jovem, formou-se em enfermagem. Com dezoito anos entrou na Congregação das Irmãs da Caridade, onde se tornou Irmã em 1932.
Dois anos depois, ela estava caminhando na vila Ilha dos Ratos, periferia de Salvador, e um menino lhe pediu ajuda. Conversando com o garoto, ela viu que ele não tinha onde morar. Olhou de lado, viu um barraca abandonado, arrombou a porta e colocou a criança dentro.
No dia seguinte, ela voltou ao local para ver como estava o menino. Uma velhinha que sofria de câncer e um deficiente físico lhe pediram ajuda. Como os dois não tinham onde morar, Irmã Dulce os colocou junto com o menino no barraco.
Apareceu o dono do barraco reivindicando a posse, e a Irmã levou os três para um mercado de peixe desativado. Ali, como espaço era maior, o grupo cresceu. Mas o prédio pertencia à prefeitura e o prefeito foi implacável: mandou a Irmã embora de lá.
Ela conseguiu licença da madre superiora e transformou o galinheiro do convento em albergue. E assim foi. Nada desanimava a Irmã.
Numa noite, em 1952, ela ouviu o barulho forte na rua. Foi até a janela e viu que um ônibus e um bonde tinham colidido. Correu ao local, pegou um caixote, subiu em cima e quebrou o vidro da janela do ônibus, salvando doze pessoas. Seu hábito ficou toda chamuscado. Resumindo, a Ir Dulce foi uma bênção para os pobres de Salvador. Está em processo de beatificação.
Esta não foi contaminada pelo fermento dos fariseus.
Maria Santíssima não acumulava bens para si, nem procurava dar uma aparência melhor do que ela era realmente. Mesmo não tendo pecado, era humilde e se reconhecia indigna dos favores divinos. Que ela nos ajude no testemunho da verdade, da humildade e da transparência, da confiança em Deus e do serviço aos irmãos.
Tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes.