EVANGELHO E HOMILIA DO DIA AMANHECER DO EVANGELHO

REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM

IV Domingo da Quaresma 

CURTA O VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=aZ3ik8moS6Q&t=4s 

“MUDAREI AS TREVAS EM LUZ”

A cura de um cego de nascença nas imediações do Templo de Jerusalém dá oportunidade a uma vivacíssima controvérsia a respeito da ação de Jesus, que nos leva àquela longínqua página da infância, quando o velho Simeão diz a respeito do Menino Deus: “Eis que este menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição” (Lc 2,34).Demonstra-se claramente que o caminho da luz do Evangelho representou sempre uma verdadeira batalha entre a luz e as trevas. E a cura de um cego, além de seu valor imediato de um gesto taumatúrgico de Cristo em beneficio de um pobre homem que nascera privado da vista, tem o valor simbólico de  mostrar a realidade dessa luta entre a luz e as trevas.A página de São João que narra o episódio está entre as mais movimentadas de todo o Evangelho. E, quando ela volta para a nossa leitura no quarto Domingo da Quaresma – que, por sinal, é o domingo “Laetare”, isto é, o ” domingo da alegria – é com alegria muito grande e com imenso proveito que a lemos e meditamos. Jesus curou o cego, servindo- se de um gesto simbólico.Tomou um pouco de terra e a umedeceu com sua saliva, formando como que um rústico emplastro, e o aplicou nos olhos do cego. Dir-se-ia que estava aumentando aquela cegueira, para evidenciar melhor a cura. Depois mandou que o cego fosse lavar-se na piscina de Siloé, O cego foi, lavou-se e ficou inteiramente curado.Estaria Jesus imitando o estilo dos profetas, que às vezes recorriam a processos como esse? Ou estaria, como pensou Santo Irineu, imitando o ato criador de Deus, quando fez o homem de barro? De qualquer maneira, aconteceu aí o que se poderia chamar de imitação rudimentar de um sacramento: um gesto sensível- que o próprio cego pôde sentir – tendo como resultado uma ação íntima de Deus que salva o corpo e a alma.Quando as pessoas que estavam ali por perto perceberam que o cego estava vendo, não podiam acreditar. E duvidavam. E perguntavam: É ele mesmo, ou é outro parecido com ele? Mas ele próprio declarou: sou eu mesmo. E Ihes explicou como é que tinha sido curado. Uns fariseus tomaram logo conhecimento do caso, e foram dizendo que quem realizara aquela cura não podia ser de Deus. Era um pecador, uma vez que a cura tinha sido feita em dia de sábado.A velha objeção de sempre contra Jesus. E discutiam entre si. E perguntaram ao cego: Que é que você diz desse homem que lhe abriu os olhos? E ele respondeu: Para mim ele é um profeta. Foram então perguntar aos pais dele se ele tinha mesmo nascido cego, e como é que agora estava vendo. Os pais afirmaram que ele de fato tinha nascido cego; mas como é que agora estava vendo não sabiam. Que perguntassem a ele, que tinha bastante idade para explicar. É claro que não queriam se comprometer perante os fariseus, pois sabiam que tinham decidido expulsar da sinagoga os que aderissem a Jesus.Insistiram então com o cego para que jurasse que aquele homem era um pecador. Mas o cego respondeu: Se é um pecador, eu não sei; o que sei é que eu era cego e agora estou vendo. Queriam que o cego explicasse mais uma vez como é que Jesus tinha feito. E ele, para se livrar daqueles impertinentes, disse: Já vos disse uma vez e não me destes atenção. Agora quereis que vos explique de novo? Será que desejais também tornar-vos seus discípulos? Eles se enfureceram. Apelaram para Moisés, de quem se julgavam fidelíssimos discípulos. E disseram mil coisas, insistindo na sua teimosia. E acabaram expulsando o pobre coitado da sinagoga.Jesus soube disso. E, ao encontrá-lo, lhe disse: Crês no Filho de Deus? Ele respondeu: Quem é ele, Senhor, para que eu creia nele? E Jesus, então, em tom de serena majestade, declarou: Tu o viste. É Ele que te fala. E ele confessou: Eu creio, Senhor! E prostrou-se diante dele.Brilhava para ele a verdadeira luz que é Cristo. Mais importante que a visão que lhe iluminara os olhos do corpo. Ele ficara do lado positivo do “sinal de contradição”. Enquanto os fariseus se afundavam mais na sua cegueira. De fato, eles perguntaram a Jesus: Nós também somos cegos? E a resposta de Jesus foi uma sentença de condenação: Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas vós dizeis que vedes, e assim o vosso pecado permanece ( cfr Jo 9, 1-41 ).Leituras do IV Domingo da Quaresma – Ano A:

1a) 1Sam 16, 1b,6-7,10-13a

2a) Ef 5,8-14

3ª) Jo 9, 1-41

EVANGELHO DO DIA E HOMILIA

REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM

                                                                                                4ª DOMINGO DA QUARESMA1) Oração

Ó Deus, que por vosso Filho realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano, concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam cheio de fervor e exultando de fé. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.2) Leitura do Evangelho (João 9, 1-41)

Jesus ia passando, quando viu um cego de nascença. Os seus discípulos lhe perguntaram: “Rabi, quem pecou para que ele nascesse cego, ele ou seus pais?” Jesus respondeu: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas é uma ocasião para que se manifestem nele as obras de Deus. É preciso que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, quando ninguém poderá trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”. Dito isso, cuspiu no chão, fez barro com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego. Disse-lhe então: “Vai lavar-te na piscina de Siloé” (que quer dizer: Enviado).

O cego foi, lavou-se e voltou enxergando. Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam: “Não é ele que ficava sentado pedindo esmola?” Uns diziam: “Sim, é ele”. Outros afirmavam: “Não é ele, mas alguém parecido com ele”. Ele, porém, dizia: “Sou eu mesmo”. Então lhe perguntaram: “Como é que se abriram os teus olhos?” Ele respondeu: “O homem chamado Jesus fez barro, aplicou nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Eu fui, lavei-me e comecei a ver”. […]

Voltaram a interrogar o homem que antes era cego: “E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?” Ele respondeu: “É um profeta”. Os judeus, outra vez, chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe: “Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é um pecador”. Ele respondeu: “Se é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo”. Se esse homem não fosse de Deus, não conseguiria fazer nada”. Eles responderam-lhe: “Tu nasceste todo em pecado e nos queres dar lição?” E o expulsaram. Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado. Quando o encontrou, perguntou-lhe: “Tu crês no Filho do Homem?” Ele respondeu: “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” Jesus disse: “Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo”. Ele exclamou: “Eu creio, Senhor!”– Palavra da salvação.

3) Reflexão

O texto sobre o qual meditamos é comprido. Mas é um texto muito vivo. Difícil de ser cortado pelo meio. Trata da cura de um cego, a quem Jesus devolve a luz aos olhos. É uma história cheia de simbolismo. Temos aqui mais um exemplo concreto de como o Quarto Evangelho tira raio-X para revelar o sentido mais profundo que existe escondido dentro dos fatos. É o sexto sinal, realizado em dia de sábado (Jo 9,14) e ligado à Festa das Tendas (Jo 7,2.37), que era a festa da água e da luz.As comunidades do Discípulo Amado identificaram-se com o cego de nascença e com a sua cura. Cegas desde o nascimento por causa da prática legalista da Palavra de Deus, elas conseguiram enxergar a presença de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. Para chegar a isso, tiveram que fazer uma travessia, cheia de conflitos e de perseguições. Por isso, pela descrição das várias etapas e conflitos da cura do cego de nascença, descreveram também o itinerário espiritual que elas mesmas percorriam, desde a escuridão da cegueira até à luz plena da fé esclarecida em Jesus. Vejamos.
* João 9,1-5: O ponto de partida: cegueira a respeito do mal que existe no mundo. Ao verem o cego, os discípulos perguntaram: “Quem pecou, ele ou os pais, para ele nascer cego?” Naquela época, todo sofrimento era visto como castigo de Deus por algum pecado. Esta mentalidade precisava ser combatida. Associar um defeito físico ao pecado era uma das maneiras de os sacerdotes da Antiga Aliança manterem seu poder sobre o povo. Para os saduceus e fariseus, um defeito físico ou uma doença eram sinais da maldição de Deus sobre a pessoa. Jesus não era desta opinião e corrigiu os discípulos. Não existe pecado na pessoa. “Nem ele nem os pais pecaram, mas para que nele sejam manifestadas as obras de Deus!” Obra de Deus é o mesmo que Sinal de Deus. Aquilo que para a época era sinal da ausência de Deus, para Jesus vai ser sinal da sua presença luminosa no meio de nós. Ele disse: “Enquanto é dia, tenho que realizar as obras do Pai que me enviou. Quando vem a noite, já não dá mais para trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.” O Dia dos Sinais começou a raiar quando Jesus realizou o primeiro sinal em Caná. Mas o Dia está chegando ao fim e logo será Noite. A noite é a morte de Jesus.* João 9,6-7: O sinal do enviado de Deus. Jesus cuspiu na terra, fez lama com sua saliva, aplicou sobre os olhos do cego e pediu que fosse lavar-se na piscina de Siloé. O homem foi e ficou curado. Este é o sinal! João comenta, dizendo que Siloé significa enviado. Jesus é o Enviado do Pai que realiza as obras, os sinais do Pai. O sinal deste “envio” é que o cego começou a enxergar.* João 9,8-14: A base da fé é a humanidade de Jesus. A primeira reação veio dos vizinhos e das pessoas chegadas. O cego era muito conhecido. Eles ficaram na dúvida: “Será que é ele mesmo?” O cego respondia: “Sou eu mesmo!” Perguntaram: “Como é que se abriram seus olhos?” O que antes era cego tem que testemunhar: foi o Homem Jesus quem me abriu os olhos. O fundamento da fé em Jesus é aceitar que ele é um ser humano igual a nós. Os vizinhos perguntaram: “Onde está ele?” – “Não sei!” Eles não ficaram satisfeitos com as respostas do cego. Para tirar tudo a limpo, levaram o homem até os fariseus, que eram as autoridades religiosas. Aquele dia era um sábado! Em dia de sábado era proibido exercer a medicina.* João 9,15-17: Jesus é o profeta, ele responde às aspirações do povo. Diante da polêmica criada pelo sinal de Jesus, o caso foi para as autoridades religiosas. O homem agora testemunha o sinal de Jesus diante dos fariseus, contando tudo de novo. Cegos na sua observância, alguns fariseus comentaram: “Ele não é de Deus, porque não observou o sábado!” Não aceitavam que Jesus fosse um sinal de Deus por fazer tal coisa num dia de sábado. Mas outros se questionavam: “Como é que alguém, sendo pecador, pode realizar tais sinais?” Aí perguntaram ao cego: “E você, o que nos diz a respeito de Jesus?” O homem avançou no seu testemunho. Agora, para ele, Jesus “é um Profeta!”* João 9,18-23: Cegos pelo preconceito da lei, os fariseus não aceitam o testemunho da lei. A terceira reação vem dos pais. Os fariseus, agora chamados de judeus, não acreditavam que o rapaz tivesse sido cego. Achavam que fosse uma fraude montada. Por isso mandaram chamar os pais e perguntam: “Este é o filho de vocês? Ele nasceu cego? Se nasceu cego, como é que agora enxerga?” Com muita cautela, os pais responderam: “É nosso filho e ele nasceu cego! Como agora enxerga não sabemos, nem sabemos quem o fez enxergar. Vocês interroguem a ele. Ele tem idade!” A cegueira dos fariseus gerava medo no povo, pois quem fizesse a profissão de fé em Jesus como Messias seria expulso da sinagoga. A conversa com os pais revelou a verdade, testemunhada por duas pessoas. Mas as autoridades religiosas se negaram a aceitá-la. A cegueira delas era maior que a evidência. Elas, que tanto insistiam na observância da lei, agora não queriam aceitar a lei que declarava válido o testemunho de duas pessoas (Jo 8,17).* João 9,24-34: O discípulo não é maior que o mestre. O mestre foi rejeitado… Chamaram de novo o cego e disseram: “Dá glória a Deus! Sabemos que este homem é um pecador!” Dar glória a Deus significava: “Peça perdão pela mentira que você nos pregou!” O cego tinha dito: “Ele é um profeta!” Conforme os fariseus, ele deveria ter dito: “Ele é um pecador!” Mas o cego era vivo. Ele disse: “Se ele é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora estou enxergando!” Contra fato não vale argumento! De novo, os fariseus perguntaram: “O que ele fez? Como abriu seus olhos?” O cego respondeu com ironia: “Eu já disse a vocês! Vocês também querem tornar-se discípulos dele?” Responderam: “Você, sim, é discípulo dele. Nós somos discípulos de Moisés! Sabemos que Deus falou a Moisés. Mas esse Jesus, nós não sabemos de onde é!” Novamente, com fina ironia, o cego disse: “Espantoso! Vocês não sabem de onde ele é, e ele me abriu os olhos! Se este homem não viesse de Deus, não seria capaz de fazer um sinal desses!” Confrontado com a cegueira dos fariseus, a luz da fé cresceu dentro do cego. Ele rompeu com a velha observância da Lei de Moisés, afirmando que quem lhe abriu os olhos só pode ser alguém que veio de Deus. Esta profissão de fé resultou em sua expulsão da sinagoga. Assim acontecia também no fim do século I. Quem quisesse professar sua fé em Jesus tinha de romper laços familiares e comunitários. Assim acontece até hoje. Quem decide ser fiel a Jesus, sofre e corre o perigo de tornar-se um excluído.* João 9,35-38: A nova comunidade: Jesus o acolhe e ele se entrega. Jesus não abandona quem por causa dele padece ou é perseguido. Quando soube da expulsão, procurou o homem e o ajudou a dar mais um passo, convidando-o a assumir sua fé no Filho do Homem. Ele respondeu: “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” Jesus respondeu: “Você está olhando para ele. Sou eu que estou falando com você!” O cego exclamou: “Creio, Senhor!” E prostrou-se diante de Jesus. A atitude do cego diante de Jesus é de total confiança e de inteira aceitação. De Jesus ele aceita tudo. Esta é a fé que sustenta as comunidades do Discípulo Amado.* João 9,39-41: Uma reflexão final. O cego, que não enxergava, acaba enxergando melhor que os fariseus. As comunidades, que antes eram cegas, descobrem a luz. Os fariseus, que pensavam enxergar corretamente, são mais cegos que o cego de nascimento. Presos à velha observância, eles mentem quando dizem que veem. O pior cego é aquele que não quer enxergar! Os fariseus. Na verdade, continuam cegos.* O nome “EU SOU”. Para esclarecer o significado da cura do cego de nascença, o Quarto Evangelho lembrou a frase de Jesus: “Eu sou a luz do mundo!” (Jo 9,5). Em vários outros lugares e oportunidades, repete esta mesma afirmação: EU SOU. O Evangelho de João, no seu conjunto, é uma resposta para a pergunta inquietante feita pelos contemporâneos de Jesus, tanto discípulos quanto adversários: “Quem és tu?” (Jo 8,25) ou “Quem pretendes ser?” (Jo 8,53). Para responder a essas questões e, ao mesmo tempo, revelar a profunda identidade entre ele e o Pai, Jesus repete várias vezes a expressão: Eu sou…:Eu sou o pão da vida (Jo 6,34.48).

Eu sou o pão vivo descido do céu (Jo 6,51).
Eu sou a luz do mundo (Jo 8,12; 9,5).
Eu sou a porteira (Jo 10,7.9).
Eu sou o bom pastor (Jo 10,11.14).
Eu sou a ressurreição e a vida (Jo 11,25).
Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6).
Eu sou a videira (Jo 15,1) Eu sou rei (Jo 18,37).
Eu sou (Jo 8,24.27.58).

* Esta revelação de Jesus atinge seu ponto alto numa discussão com os judeus em que ele afirma: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que Eu sou” (Jo 8,27). Na publicação Raio-X da Vida, apresentamos uma lista incompleta dos títulos que Jesus recebe no Evangelho de João e que traduzem a busca dos primeiros cristãos em querer conhecer e amar Jesus. O título que melhor resume o resultado desta busca é Eu sou (Jo 8,58). Este nome é como que o ponto de chegada após uma longa caminhada. Eu sou é o mesmo que Javé, o nome que Deus assumiu no êxodo como expressão da sua presença libertadora no meio do povo (Ex 3,15). Agora, para as comunidades do Discípulo Amado, o verdadeiro rosto deste Deus é o rosto de Jesus de Nazaré: “Quem me vê, vê o Pai!” (Jo 14,9). Mais tarde, no Antigo Testamento, o nome sagrado Javé, que aparece quase 7 mil vezes no Antigo Testamento, foi substituído pela palavra Senhor. Desde Pentecostes, os discípulos e as discípulas chamam Jesus de Senhor (At 1,36; Fl 2,11; Jo 20,28). Até hoje dizemos: nosso Senhor Jesus Cristo.4) Para um confronto pessoal

  1. “… cego de nascença.” Mesmo os que nunca viram, podem ver! A Salvação é para todos. Consigo reconhecer as minhas cegueiras?
  2. As Leis (e também aqui, na minha Vida Espiritual) apontam o Bem. Não valem só por si, mas pelo Bem que apontam. Tenho vivência farisaica da Lei? Sou escravo da sua riqueza?
  3. “Como pode um homem ser pecador e fazer milagres destes?”. Nem sempre o Bem vem da fonte esperada. Criamos atitude de acolhimento objectivo do Bem, sem preconceito?

5) Oração final

Ó Deus, luz de todo ser humano que vem a este mundo, iluminai nossos corações com o esplendor da vossa graça, para pensarmos sempre o que vos agrada e amar-vos de todo o coração. Por Cristo, nosso Senhor.

JESUS, AQUELE QUE “VÊ” E “FAZ VER”

“Vai lavar-te na piscina de Siloé. O cego foi,lavou-se e voltou enxergando”(Jo 9,7)

Jesus afasta-se do Templo, fugindo dos fariseus que queriam apedrejá-lo por ter dito: “Eu sou a luz do mundo”. Ele vai repetir isso e demonstrar com atos, dando ao cego a capacidade da visão. Não conhecemos o nome deste cego. Só sabemos que é um mendigo, cego de nascimento, que pede esmola nas proximidades do templo. Não tem experiência da luz, não a conhece, nunca a viu. Estava sentado, não podia caminhar nem orientar-se por si mesmo; estava imóvel, dependendo sempre dos outros. Sua vida transcorria nas trevas. Nunca poderia conhecer uma vida digna.

Também não se menciona que era sábado, somente ao longo da narração. Jesus não leva em conta essa circunstância à hora de fazer bem ao ser humano. “Amassar barro” estava explicitamente proibido pela interpretação farisaica da lei. O amassar o barro no sétimo dia, prolonga o sexto dia da criação. Jesus termina a criação do ser humano.Este ponto de partida é chave para ressaltar o ponto de chegada. Jesus vai ativar no cego a mobilidade e a independência, vai lhe devolver a capacidade de ver, vai reconstruí-lo como ser humano por inteiro. Jesus vê na cegueira uma ocasião para a manifestação da atividade salvífica de Deus. As obras que Deus realiza consistem em libertar o ser humano de sua inatividade e dar-lhe capacidade de ação. “Enquanto é dia, temos de realizar as obras d’Aquele que me enviou”.

Jesus não consulta ao cego se ele quer ficar curado, pois sendo cego de nascimento não tem experiência da luz e não a pode desejar de maneira especial. Mas a cura não acontece automaticamente; o cego tem de aceitar a luz e optar livremente por ela. Jesus não lhe tira a liberdade: oferece-lhe a oportunidade e coloca diante dos seus olhos o projeto de Deus sobre o ser humano. A decisão de recuperar a vista fica nas mãos do cego: ela se manifesta no fato de ir à piscina de Siloé por sua própria iniciativa, de caminhar livremente, de poder sair do seu lugar, lavar-se na piscina, para chegar a ser ele mesmo.Jesus passa à ação. João usa dois verbos para indicar a aplicação do barro nos olhos: aqui untar-ungir tem relação com o título de Jesus “Messias” (que significa o “ungido”). Mais adiante dirá simplesmente “aplicar”. Aquí está a chave de todo o relato. O cego é agora um “ungido”, como Jesus. O homem ferido na sua cegueira foi transformado pelo Espírito.A reação das pessoas (parentes, vizinhos…) sobre a identidade do cego manifesta a novidade que o Espírito realiza. Sendo o mesmo, é outro. O que era cego revela a nova identidade de homem reconstruído pelo Espírito: ele agora é um ungido, encontrou-se a si mesmo – “Ele afirmava: sou eu”.Ao “ungir-lhe os olhos”, Jesus convida o cego a ser homem “acabado, reconstruído, restaurado…”Os outros personagens continuam em sua cegueira: fariseus, conterrâneos, pais… são símbolos da dificuldade de aceitar a luz quando esta ilumina o que não se quer ver.Há uma grande diferença entre o cego sem iniciativa, sem liberdade no início da cena, e o homem livre depois da cura. Daí que ele utilize as mesmas palavras que tantas vezes, no evangelho de João, Jesus utilizava para identificar-se: “Sou eu”. Esta fórmula deixa transparecer a identidade do ser humano recriado pelo Espírito; descobre a transformação que se realizou em sua pessoa e quer que os outros a vejam.

O cego opta livremente pela luz. Segue o caminho apontado por Jesus e chega à meta indicada. Ele, que era só limitação, recupera sua autonomia e deixa-se conduzir pelo Espírito. O que de verdade importa é que este homem estava limitado e carecia de toda liberdade antes de encontrar-se com Jesus. Agora descobre o que significa ser pessoa e se sente completamente realizado. O Espírito o capacitou para desatar todas as possibilidades de ser “humano”. Sua vida, escondida e dependente, está agora cheia de sentido. Perde o medo e começa a ser ele mesmo, não só em seu interior mas diante dos outros. O horizonte que se abre para ele é indescritível. O mundo mudou radicalmente; agora ele poderá dar orientação à própria vida: não dependerá mais que os outros o conduzam. O relato do evangelho de hoje é, sobretudo, uma catequese cristológica. Como aparece Jesus nele? Em primeiro lugar, Jesus é Aquele que vê. Na cena do “cego de nascença”, onde os discípulos viam um pecador, Jesus via um ser humano. Seu olhar não se detinha na máscara, mas contemplava um rosto.  O “cego de nascença” encontra em Jesus um olhar encorajador, compreensivo, que acredita nele e lhe inspira confiança; um olhar que não se prende ao passado, mas abre uma nova possibilidade de vida. Um olhar que ativa nele a capacidade de olhar a própria vida de maneira diferente. Por isso, Jesus aparece também como Aquele que faz ver. É o mestre que vai curando a cegueira e trazendo luz, para que a pessoa, descobrindo sua identidade, possa dizer como o cego curado: “sou eu”.

Neste tempo quaresmal, sentimos a urgência de uma conversão do nosso olhar; é preciso purificar o olhar, cristificá-lo. Olhar com os “olhos cristificados”. Não se trata de qualquer olhar. É o olhar limpo, diáfano, gratuito e desinteressado, que destrava e expande a vida do outro numa nova direção. Contemplar o rosto do outro é sentir sua presença, sem pré-conceitos e pré-juízos…, vendo nele o sinal da ternura de Deus. Passar da contemplação à acolhida: este é o movimento da oração dos olhos. O “olhar contemplativo” está perdendo sua força criativa no contexto atual; marcado pela ansiedade de querer “ver” tudo ao mesmo tempo, o ser humano já não é mais capaz de fazer uma “pausa” para se deixar “ver” pela realidade. Sob o peso do olhar do racionalismo, ele tudo examina, compara, esquadrinha, mede, analisa, separa… mas nunca “exprime”. Daí o olhar reprimido, desviado, insensível, frio, duro, ríspido… Este é o pecado contra o olhar: olhar supérfluo e imediatista, olhar esquizofrênico e narcisista, olhar morno, sem vibração, sem brilho, sem assombro… Nesse olhar não há lugar para a admiração, nem para a acolhida e a presença do outro. Só existe o olhar que “fixa”, escraviza e aliena. A arte de viver consiste, fundamentalmente, em chegar a ver tudo com o coração. Só o coração descobre em tudo as pegadas da Presença Última, que olha a partir do rosto de cada pessoa, a partir da beleza de cada criatura. O amor nos abraça em tudo quanto vemos.

Texto bíblico:  Jo 9,1-41

Na oração: Ver mais além, a partir do coração, transcender, despertar nossa visão interna e intuitiva das coisas e das pessoas, tirar as cataratas de nossos olhos e abrir-nos a Deus.

– Abro os olhos para olhar de outra maneira.

– Quê há de fechamento, de intransigência, de superficialidade, de rotina em minha vida, que não quero ver?

– Estou aberto a acolher a Luz da verdade, do amor, da justiça, da gratuidade… venha de onde vier?

– Creio ter a posse da verdade ou me deixo questionar pelos outros?

– Em quê aspectos de minha vida pessoal e relacional preciso abrir-me à luz do Evangelho?

– Sou luz que ajudo os outros a verem?