Mt 21,23-27: PROSTITUTAS E PUBLICANOS ENTRARÃO PRIMEIRO NO REINO DOS CÉUS –

A Bíblia explicada em capítulos e versículos       

O Amanhecer do Evangelho

 Reflexões e ilustrações de  Pe. Lucas de Paula Almeida

Segunda-feira da 3ª Semana do Advento

 

 1) Oração

Inclinai, ó Deus, o vosso ouvido de Pai à voz da nossa súplica, e iluminar as trevas do nosso coração com a visita do vosso Filho. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

2) Leitura do Evangelho (Mateus 21, 23-27)

Naquele tempo, 23Dirigiu-se Jesus ao templo. E, enquanto ensinava, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo aproximaram-se e perguntaram-lhe: Com que direito fazes isso? Quem te deu esta autoridade? 24Respondeu-lhes Jesus: Eu vos proporei também uma questão. Se responderdes, eu vos direi com que direito o faço. 25Donde procedia o batismo de João: do céu ou dos homens? Ora, eles raciocinavam entre si: Se respondermos: Do céu, ele nos dirá: Por que não crestes nele? 26E se dissermos: Dos homens, é de temer-se a multidão, porque todo o mundo considera João como profeta. 27Responderam a Jesus: Não sabemos. Pois eu tampouco vos digo, retorquiu Jesus, com que direito faço estas coisas . – Palavra da salvação.

3) Reflexão

* O evangelho de hoje descreve o conflito que Jesus teve com as autoridades religiosas da época depois que expulsou os vendedores do Templo. Os sacerdotes e anciãos do povo queriam saber com que autoridade Jesus fazia as coisas a ponto de entrar no Templo e expulsar os vendedores (cf. Mt 21,12-13). As autoridades se consideravam os donos de tudo e achavam que ninguém podia fazer nada sem a licença delas. Por isso, perseguiam a Jesus e procuravam matá-lo. Algo semelhante estava acontecendo nas comunidades cristãs dos anos setenta-oitenta, época em que foi escrito o evangelho de Mateus. Os que resistiam às autoridades do império eram perseguidos. Havia outros que, para não serem perseguidos, tentavam conciliar o projeto de Jesus com o projeto do império romano (cf. Gal 6,12). A descrição do conflito de Jesus com as autoridades do seu tempo era uma ajuda para os cristãos continuarem firmes nas perseguições e não se deixarem manipular pela ideologia do império. Também hoje, alguns que exercem o poder, tanto na sociedade como na igreja e na família, querem controlar tudo como se fossem eles os donos de todos os aspectos da vida do povo. Às vezes, chegam até a perseguir os que pensam diferente. Com estes pensamentos e problemas na cabeça, vamos ler e meditar o evangelho de hoje.

Mateus 21,23A pergunta das autoridades religiosas a Jesus

“Jesus voltou ao Templo. Enquanto ensinava, os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo se aproximaram, e perguntaram: Com que autoridade fazes tais coisas? Quem foi que te deu essa autoridade?” Jesus circula, novamente, na enorme praça do Templo. Logo aparecem alguns sacerdotes e anciãos para interrogá-lo. Depois de tudo que Jesus já tinha feito, na véspera, eles querem saber com que autoridade ele faz as coisas. Eles não perguntam pela verdade nem pelo motivo que levou Jesus a expulsar os vendedores (cf. Mt 21,12-13). Perguntam apenas pela autoridade. Eles acham que Jesus deve prestar conta a eles. Pensam ter o direito de controlar tudo. Não querem perder o controle das coisas.

Mateus 21,24-25ª: A pergunta de Jesus às autoridades

Jesus não se nega a responder, mas mostra a sua independência e liberdade e diz: “Eu também vou fazer uma pergunta para vocês. Se responderem, eu também direi a vocês com que autoridade faço isso. De onde era o batismo de João? Do céu ou dos homens?”. Pergunta inteligente, simples como a pomba e esperta como a serpente! (cf. Mt 10,16). A pergunta vai revelar a falta de honestidade dos adversários. Para Jesus, o batismo de João era do céu, vinha de Deus. Ele mesmo tinha sido batizado por João (Mt 3,13-17). Os homens do poder, ao contrário, tinham tramado a morte de João (Mt 14,3-12). Mostraram, assim, que não aceitavam a mensagem de João e que consideravam o batismo dele como coisa dos homens e não de Deus.

Mateus 21,25b-26 Raciocínio das autoridades

Os sacerdotes e os anciãos perceberam o alcance da pergunta e raciocinavam entre si da seguinte maneira: “Se respondemos que vinha do céu, ele vai dizer: Então, por que vocês não acreditaram em João? Se respondemos que vinha dos homens, temos medo da multidão, pois todos consideram João como um profeta”. Por isso, para não se expor, responderam: “Não sabemos!” Resposta oportunista, fingida e interesseira. O único interesse deles era não perder a sua liderança junto do povo. Dentro deles mesmos, já tinham decidido tudo: Jesus devia ser condenado e morto (Mt 12,14).

Mateus 21,27Conclusão final de Jesus

E Jesus disse a eles: Pois eu também não vou dizer a vocês com que autoridade faço essas coisas”. Por causa da sua total falta de honestidade, eles não merecem resposta de Jesus.

A frase está no comentário de Jesus à parábola dos dois filhos: um diz que vai fazer o que o pai pediu e não faz. O outro diz que não quer, mas depois faz a vontade do pai. Texto intrigante!

Esses versículos precisam ser lidos no conjunto do capítulo 21 do Evangelho segundo Mateus: Jesus entrara em Jerusalém (Mt 21,1-11) e tinha entrado em confronto direto com a religião do templo, recorrendo à denúncia já feita por Jeremias: “vocês transformaram a casa de meu pai num covil de ladrões” (Jr 7,11; Mt 21,12-17).

Da boca dos pequeninos, o verdadeiro louvor

O episódio da expulsão dos vendedores do templo é descrito pelos quatro evangelhos. Mateus, entretanto, acrescenta outra provocação de Jesus: cegos e coxos, até então impedidos de entrar no templo por serem considerados pecadores, são curados por Jesus no próprio santuário (Mt 21,14-17). E diante da indignação dos principais sacerdotes e escribas, responde: “Vocês nunca leram que é da boca dos pequeninos e crianças de peito que vem o perfeito louvor?” Desta vez, ele recorreu ao Salmo 8.

A parábola dos dois filhos vem na sequência da figueira estéril (Mt 21,18-22), imagem de um templo e de uma religião que não produzem mais frutos, e do debate de Jesus com as autoridades sobre o batismo de João (Mt 21,23-27).

Jesus, a Lei e a Justiça

“Mas, que vos parece? Um homem tinha dois filhos, e, dirigindo-se ao primeiro, disse: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. Ele, porém, respondendo, disse: Não quero. Mas depois, arrependendo-se, foi. E, dirigindo-se ao segundo, falou-lhe de igual modo; e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; e não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram-lhe eles: O primeiro. Disse-lhes Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não crestes nele, mas os cobradores de impostos e as prostitutas nele creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para crer nele.”

“João veio até vós no caminho da justiça, e não crestes nele. Os cobradores de impostas e as prostitutas creram…” (Mt 21,32). O “caminho da justiça” é o caminho de Deus, de seu projeto, de sua vontade, de sua Lei. Na comunidade de Mateus, havia filhos – os fora da Lei – que tinham dito “não quero”, porém se converteram à justiça anunciada por João e foram fiéis no seguimento de Jesus. Já os fariseus, que se consideravam justos, cumpridores da Lei, ficaram de fora. A comunidade de Mateus foi radical na hora de transmitir o que entendeu como fidelidade à Lei.

“Não pensem que vim abolir a Lei e os Profetas, mas dar-lhes pleno cumprimento. Quem desobedecer a um só desses mandamentos, por menor que seja, e ensinar aos outros a fazer o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus. Por outro lado, quem os praticar e ensinar, será grande no Reino dos Céus” (Mt 5,17-19).

A comunidade de Mateus, por um lado, insiste na fidelidade à Lei, por outro diz que o próprio Jesus desobedeceu à lei do descanso sabático, às leis da purificação. Como entender esta aparente contradição entre o que Jesus pede que façamos e o que Ele mesmo praticou no seu tempo?

Na compreensão judaica, Lei e Profetas representam todo o Antigo Testamento: a História de um Deus que caminha com o seu povo e com ele faz Aliança. Jesus veio dar plenitude a esse tratado de amizade de Deus com o povo. Ele quer que sejamos fiéis ao plano salvífico do Pai, fiéis ao espírito do Antigo Testamento e não apenas a um conjunto de regras morais. Assim, resgatou o sentido original da Lei que é o amor misericordioso de Deus e questionou as leis casuísticas da tradição. Por isso, dizia: “ouvistes o que foi dito… Eu, porém, vos digo…” (Mt 5,21-22).

O evangelho da comunidade de Mateus, que vive as dificuldades com o legalismo farisaico, lembra as palavras de Jesus: “Se a justiça de vocês não supera a dos doutores da Lei e a dos fariseus, vocês não entrarão no Reino dos Céus” (Mt 5,29). E logo, nos capítulos 5 a 7, explica qual deve ser a atitude cristã diante da Lei (contra a prática dos escribas) e diante das obras de piedade (contra o jeito dos fariseus). A síntese aparece na boca do próprio Jesus: “Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles. Pois nisso consistem a Lei e os Profetas” (Mt 7,12).

Mas e Jesus, como cumpre a Lei? O importante para ele é a Lei da vida. Ele nunca aparece angustiado por leis ou normas cultuais. Ao contrário, denuncia os doutores da Lei e os fariseus que “amarram fardos pesados e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo…” (Mt 23,4). Jesus, ao contrário, vive com grande fidelidade e liberdade e ainda nos convida: “Venham a mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo e eu lhes darei descanso” (Mt 11,28). Para ele, o cumprimento do preceito não é o mais importante. Por isso: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês pagam o dízimo da hortelã, da erva doce e do caminho e deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade” (Mt 23,23). E, por último: “Aprendam o que significa: ‘Eu quero misericórdia e não sacrifícios’’’ (Mt 9,13).

E nós hoje?

São fortes as palavras de Jesus sobre qualquer forma de hipocrisia religiosa. Esses versículos não escondem o recado: uma religião que se restringe ao cumprimento de rituais e não se vincula com o caminho da justiça, não produz adesão verdadeira.

Como superar a religião do rito? Como fazer a vontade de Deus de fato e não apenas por palavras? A reposta cabe a cada um e cada uma de nós, pessoal e comunitariamente.

4) Para um confronto pessoal

  1. Alguma vez, você já se sentiu controlado ou observado, indevidamente, pelas autoridades, em casa, no trabalho, na igreja? Qual foi a sua reação?
  2. Todos e todas temos alguma autoridade. Mesmo numa simples conversa entre duas pessoas, cada uma exerce algum poder, alguma autoridade. Como uso o poder, como exerço a autoridade: para servir e libertar ou para dominar e controlar?

5) Oração final

Mostra-me, SENHOR, os teus caminhos, ensina-me tuas veredas. Faz-me caminhar na tua verdade e instrui-me, porque és o Deus que me salva, e em ti sempre esperei. (Sal 24, 4-5)