EVANGELHO DO DIA E HOMILIA

O AMANHECER DO EVANGELHO

REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE

PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM

COMO É REALMENTE A HISTÓRIA DA QUARESMA

I Domingo da Quaresma -ANO C – AS TENTAÇÕES NO DESERTO – Lc 4, 1-13:  

“Você adorará o Senhor seu Deus e somente a Ele servirá”

Estamos entrando na Quaresma, esses quarenta dias de oração e penitência com que a Igreja nos prepara para a solene celebração da Páscoa. Quarenta era um número particularmente significativo no mundo bíblico. O dilúvio durou quarenta dias e quarenta noites. O povo hebreu viveu quarenta anos de vida nômade no deserto. Moisés passou quarenta dias junto de Deus no Sinai. Mas, sobretudo, Jesus passou quarenta dias de jejum no deserto, o que inspirou o estabelecer-se na Igreja destes quarenta dias de penitência da Quaresma. O deserto de que se fala aqui não é um deserto de areia, como o Saara. É uma região pedregosa, árida e inculta, onde apenas na primavera uma escassa vegetação dá uns sinais de vida. Trata-se do deserto de Judá e, segundo a tradição, da elevação chamada Djebel-Qarantal, não longe de Jericó. Aí se estabeleceram monges desde o século IV. Hoje está em mãos dos cristãos ortodoxos.

É sempre muito misterioso pensarem Jesus submetido às tentações do demônio. Ele o Santo, Ele o impecável, Ele que jamais poderia sucumbir à tentação! A carta aos hebreus diz que “tendo Ele mesmo sofrido pela tentação, é capaz de socorrer os que são tentados” (Hb 2, 18). Uma vez que Ele se fez em tudo igual a nós, exceto no pecado. Há proveitosas reflexões de comentadores do Evangelho e de mestres espirituais, que nos mostram como Jesus passou pelas várias espécies de tentação por que nós passamos, resumidas na gula, na soberba e na avareza. E nos mostrou como é na força da Palavra de Deus que encontramos o meio de resistir às tentações. O nosso Padre Vieira disse elegantemente: “Permitiu pois Cristo Senhor Nosso ser tentado do demônio hoje, não para se honrar com a vitória ( que era pequeno triunfo) mas para nos ensinar a vencer com seu exemplo” (Sermão do I Domingo da Quaresma).

Mas, segundo as mais ponderadas considerações dos estudiosos, as tentações visavam o messianismo de Jesus. O demônio queria tirar a dúvida se Ele era realmente o Messias. E queria desencaminhá-Io da idéia de um Messias sofredor, destinado à morte, como está nas profecias de Isaías, e levá-Io para a idéia de um Messias político e triunfador. São três desafios -“se és o Filho de Deus” – iguais ao que vai aparecer no dia da crucifixão: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz” (Mt 27, 40). E, como só podia ser, Jesus resistiu a tudo com divina sabedoria.

Primeiro, foi a tentação de satisfazer a fome. Jesus tinha jejuado quarenta dias e quarenta noites (não como os muçulmanos no mês de Ramadan, que jejuam de dia, mas comem durante a noite). Teve fome. Na frente estavam as pedras daquele lugar selvagem. O demônio se aproximou e lançou a tentadora insinuação: “Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”.

E Jesus, prontamente, respondeu: “Está escrito: não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4). O demônio, então, o arrebata até Jerusalém e o coloca sobre o pináculo do Templo. E lhe diz: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Dará ordem aos seus anjos a teu respeito, a fim de que te guardem’. E também: ‘Hão de te levar em suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’ ” (Lc 4, 3-4). E a resposta de Jesus foi mais do que pronta: “Foi dito: ‘Não tentarás ao Senhor teu Deus’ ” (Ibid. , v 12). Deus pode fazer milagres, e os faz, porém nunca para satisfazer à vaidade de alguém. Ele os faz, quando assim o determina sua santíssima vontade. E veio a terceira tentação ( em Lucas está em segundo lugar).

Por não se sabe qual prodígio de fantasmagoria, o demônio levou Cristo ao cimo de um altíssimo monte, donde se viam todos os reinos do mundo, com todo o seu esplendor. E lhe disse: “Tudo isso te darei, se prostrado me adorares”. Foi quando Jesus respondeu com vibrante energia: “Vai-te, Satanás, porque está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto’ ” (Mt 4, 8-10). Três ataques! Três vitórias! Tudo pela força da Palavra de Deus!

O demônio então se retirou. E os anjos do céu se aproximaram de Jesus para servi-lo (Mt 4, 11).

LEITURAS do I Domingo da Quaresma – Ano C:

1a) Dt 26, 4-10

2a) Rm 10, 8-13

3a) Lc 4, 1-13

QUARESMA – Lc 4, 1-13

Meu coração disse: Senhor, buscarei a vossa face. É vossa face, Senhor, que eu procuro. Não desvieis de mim o vosso rosto. (do salmo 26)

 

Este é o dia que o Senhor fez, dia de júbilo e de alegria. Daí graças ao Senhor, pois ele é bom, porque eterno é o seu amor. (do salmo 117)

COMO É REALMENTE A HISTÓRIA DA QUARESMA

PUXANDO A CONVERSA: A QUARESMA

Quaresma, uma vez mais. Tempo forte na caminhada do ano eclesiástico. Convite e apelo para. o silêncio, a prece, a conversão.  E quando se fala em quaresma, geralmente a gente tem uma idéia de uma coisa negativa, como antigamente. Tempo de medo, de cachorro zangado, de mula sem cabeça e outras coisas mais.

Para outros a quaresma parece superada pelo modernismo e é hoje apenas uma recordação negativa do passado ou um retrato na parede, simplesmente.

Penso, para nós cristãos é o tempo de conversão, de mudança de vida, de acolher com mais amor a misericórdia de Deus que nos quer perdoar. E é também o tempo onde as comunidades se preparam para viver o mistério da páscoa. Isto é, tempo da hora de Jesus Cristo do seu seguimento em que ele caminha em direção da sua hora que  é a entrega total da sua vida a Deus  pelos  homens,  seus irmãos.

A quaresma  é para cada um de nós um tempo de oração e de conversão. Tempo de crescer em comunhão com todos os homens, principalmente com os mais pobres e necessitados. Eles nos lembram o rosto sofrido de Jesus e nos convidam a viver com mais fidelidade a caridade, o amor fraterno, que o Evangelho exige de nós.:

QUARESMA:  “CONVERTER-SE E CRER NO EVANGELHO”

Mais uma vez estamos começando a quaresma. Vamos apenas repeti-la e ficar onde estamos?  Ou vamos descobrir algo novo e progredir na vida? Desde antigamente, a Igreja nos prepara para a Páscoa com esse período de 40 dias.

O número não foi escolhido à-toa. Desde a tradição do livro do Êxodo (Ex 16,35),  considera-se que o povo de Deus passou 40 anos no deserto antes de chegar à terra prometida, à liberdade.

No Evangelho de São Marcos 1-13 Jesus passa 40 dias no deserto. E aí supera a tentação de satanás, aquela que Adão, o Homem, não conseguiu superar. Isso significa que Jesus passou pela aprovação e saiu vitorioso. Mas o que tem isso a ver conosco hoje? Que luz isso trás para nossa luta de todos os dias?

O DESTINO OU O PARAISO?

Jesus nos indica o ponto de chegada, a direção em que devemos caminhar. Ele que, no deserto, vencido Satanás, “vivia entre as feras e os anjos o serviam” é o novo Adão. É o homem no paraíso. É a nova humanidade, realizada, em paz com Deus e com a natureza. Essa mensagem de paz diga-se de passagem, aparece também no livro do Gênese 9,8-15, quando se diz que Deus pendurou o seu arco de guerra e fez a paz com os homens. E o arco de Deus se tornou o arco Íris, que pôs fim ao dilúvio, ao castigo.

COMO CHEGAR LÁ?

Uma pista nos vem do antigo povo de Deus, aquele que caminhou por 40 anos no deserto. À sua frente ia Moisés. Este povo é parecido conosco. Nossas provações, nossa luta, não duram 40 dias, mas 40 anos ou mais!

Nós estamos sempre a caminho, no deserto, na esperança de chegar. De Moisés, os rabinos contavam uma história curiosa.

Diziam que ele viveu 120 anos, e teve 3 longas provações de 40 anos na vida.

A 1ª foi no Egito: 40 anos de aprendizagem, de experiência, de educação.

Aprendeu a viver, a sentir os dramas do povo, a descobrir a solidariedade. Achou que deveria lutar pelo seu povo. Revoltou-se contra a opressão dos egípcios. Mas… Ninguém o seguiu. Aí a decepção, a fuga para Madiã, outros 40 anos curtindo sua decepção e reconquistando aos poucos a confiança, as forças, a maturidade.

Enfim, superada também esta 2ª provação, Deus o chamou para guiar o seu povo, durante 40 anos, na saída do Egito, no caminho da libertação.

A história de Moisés nos diz que há etapas e provações diferentes na vida. Cada um, – jovem, adulto, mais velho – tem a sua etapa a vencer, a sua caminhada.

Nesta quaresma, qual é o passo que eu devo dar?

OS PRÓXIMOS PASSSOS

Não devemos, porém, olhar só para a nossa situação pessoal. O amadurecimento de Moisés é exatamente esse: Passar de sua percepção ainda ingênua das coisas para uma visão lúcida da vontade de Deus e das necessidades de seu povo.

Viver a quaresma, é antes de tudo lutar contra tudo que nos separa.

A tentação é sossegar diante dos problemas.

Superar a provação, vencer a batalha contra o mal. Não é “apenas isso”, mas nesta luta é que estamos continuando a luta contra satanás, continuando a caminhada do povo junto à libertação, realizando a nova humanidade.

Certamente, a outros passos a dar.

CAMINHADA OU TRAVESSIA

A primeira carta de São Pedro 3,18-22 compara a nossa provação a uma passagem pelas águas. Não uma caminhada, mas uma travessia! Algo como aconteceu a Noé, que foi salvo pela arca. Mas agora o nosso barco é outro.

É a cruz de Cristo. Nele embarcamos com o batismo. O batismo não é um ponto de chegada. É um compromisso de seguir o Evangelho, a cruz de Jesus.

E é ao mesmo tempo a garantia de que esse barco realmente pode nos conduzir ao porto seguro, ao lugar certo.

SÍMBOLOS DA QUARESMA

Conheça os símbolos da quaresma e seu significado: cinza, deserto, 40 dias, jejum.

A CINZA

É o resíduo da combustão pelo fogo das coisas ou das pessoas. Este símbolo já se usa na primeira página da Bíblia quando nos conta que “Deus formou o homem com o pó da terra” (Gen 2,7). Isso é o que significa o nome de “Adão”. E se lhe recorda em seguida que esse é precisamente seu fim: “até que voltes à terra, pois dela foste criado” (Gn 3,19).

Por extensão, pois, representa a consciência do nada, da nulidade da criatura com respeito ao Criador, segundo as palavras de Abraão: “Embora sou pó e cinza, me atrevo a falar ao meu Senhor” (Gn 18,27).

Isto leva a todos a assumir uma atitude de humildade (“humildade” vem de húmus, “terra”): “pó e cinza são os homens”, “todos caminham para uma mesma meta: todos saem do pó e todos voltam ao pó”, “todos expiram e ao pó retornam”. Por tanto, a cinza significa também o sofrimento, o luto, o arrependimento. Em Jó (Jó 42,6) é explicitamente sinal de dor e de penitência. Daqui se desprendeu o costume, por largo tempo conservado nos monastérios, de estender os moribundos no solo coberto com cinza posta em forma de cruz.

A cinza se mescla as vezes com os alimentos dos ascetas e a cinza abençoada se utiliza em ritos como a consagração de uma igreja, etc.

O costume atual de que todos os fiéis recebam em sua frente ou em sua cabeça o sinal da cinza ao começo da Quaresma não é muito antigo.

Nos primeiros séculos se expressou com este gesto o caminho Quaresmal dos “penitentes”, ou seja, do grupo de pecadores que queriam receber a reconciliação ao final da Quaresma, a Sexta-feira Santa, as portas da Páscoa. Vestidos com hábito penitencial e com a cinza que eles mesmos se impõem na cabeça, se apresentavam ante a comunidade e expressavam assim sua conversão.

No século XI, desaparecida já instituição dos penitentes como grupo, se viu que o gesto da cinza era bom para todos, e assim, ao começo deste período litúrgico, este rito que começou a realizar para todos os cristãos, de modo que toda a comunidade se reconhecia pecadora, disposta a aprender o caminho da conversão Quaresmal.

Na última reforma litúrgica se reorganiza o rito da imposição da cinza de um modo mais expressivo e pedagógico. Já não se realiza ao princípio da celebração ou independentemente dela, sendo depois das leituras bíblicas e da homilia. Assim a Palavra de Deus, que nos envia esse dia à conversão, é a que da conteúdo e sentido ao gesto.

Além do mais, se pode fazer a imposição das cinzas fora da Eucaristia – nas comunidades que não têm sacerdote -, mas sempre no contexto da escuta da Palavra.

O DESERTO

Geograficamente falando, é um lugar despovoado, árido, só, inabitado, caracterizado pela escassez de vegetação e pela falta de água.

É o lugar onde transcorre o jejum, considerado como solidão exterior e interior, para levar, ao que nele se interna, par a união com Deus.

Os textos bíblicos em que se fundamenta esta afirmação são os quarenta dias de Moisés sem comer nem beber no monte Sinai para receber a Lei (Ex 24, 12-18; 34) e os quarenta dias de Elias (1 Re 19,3-8).

Elias vive a dureza do deserto reconfortado pela comida e bebida misteriosa, e recorre seu caminho superando o declínio dos israelitas nos quarenta anos de marcha para a terra prometida. Se trata, em todos os casos, de homens marcados pela visão de Deus ao final do dito caminho.

Estas narrações nos ajudam a entender o sentido dos quarenta dias de deserto de Cristo (Primeiro Domingo de Quaresma), vivido como experiência da tentação e encontro íntimo com o Pai, mas, também, como preparação a seu ministério público.

Para a Bíblia, o deserto é, também, uma época de oração intensa. É o lugar do sofrimento purificador e da reflexão. Embora também e uma graça que pode ser rejeitada.

O jejum de Moisés contrasta com a rejeição dos quarenta anos de deserto por parte do povo. Os quarenta dias de Moisés são o refazer um caminho de fidelidade que o povo não soube andar, assim como os de Cristo o são para a prova que o Espírito Santo permitia ao tentador (Mt 4, 1).

O deserto é a geografia concreta, o espaço e o tempo da união com Deus. Por isso Oséias (Os 2, 16-17) o propõe como o lugar propício para captar sua mensagem espiritual, igual o que faz a Igreja com seus filhos na Quaresma.

Muitas vezes em nossa vida cotidiana nós rejeitamos esses espaços de silêncio e solidão porque temos medo de nos encontramos com nós mesmos e com Deus e descobrir que longe estamos de seu projeto sobre nós. Por isso, o ” deserto” requer coragem dos humildes, dos que não têm medo de começar novamente…

OS QUARENTA DIAS

A organização Quaresmal é um tempo simbólico que faz suas raízes no Antigo e no Novo Testamento. Os quarenta dias de Moisés e de Elias ou os quarenta anos do Povo eleito no deserto não são referências secundárias. A tradição judeu-cristã tem visto neste número um determinado significado. Provavelmente a idéia mais antiga seja a referência aos anos de deserto vistos como um tempo associado ao castigo de Deus (cf. Nm 14,34; Gn 7,4. 12. 17; Ez 4,6; 29, 11-13).

Em Deuteronômio aparece uma interpretação dos quarenta anos como o tempo da prova à que Deus somente ao povo (Dt 2,7; 8,2-4). São os dias do crescimento da fé, segundo o Salmo 94, 10. Para os Atos dos Apóstolos, o número quarenta continua sendo simbólico. Lucas divide a vida de Moisés em três períodos de quarenta anos (At 7,23 e 7,30); faz referência aos quarenta anos do reinado de Saul (At 13,21); e aos quarenta dias da Ascensão(Atos 1, 3).

Estes quarenta dias poderiam, então, considerar-se como esse “hoje” do que fala a Carta aos Hebreus ao referir-se ao Sal 94, como esse “tempo propício” para escutar a voz de Deus e não endurecer o coração.

Em efeito, nossa relação com Deus necessita não só de um “espaço” adequado (o deserto como lugar de silêncio), sendo também de um “tempo” oportuno e concreto, “suficiente” para escutar, através de nossa consciência, sua voz de Pai que corrige e consola.

 

EVANGELHO DO DIA E HOMILIA

(LECTIO DIVINA)

REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE

PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM

PRIMEIRO DOMINGO DE QUARESMA – Lucas 4,1-13.

 “Você adorará o Senhor seu Deus e somente a Ele servirá”

Os relatos das tentações procuram expressar uma experiência mística de Jesus, e então não devem ser interpretados ao pé da letra, duma maneira fundamentalista!

Uma coisa já chama a atenção – as tentações vêm logo após o batismo de Jesus! O batismo significava o assumir público da sua missão, por parte de Jesus. Logo após este compromisso, ele tem que enfrentar as tentações. Aqui a experiência de Jesus é como a nossa própria – nós temos compromisso com o projeto de Deus, mas entre o nosso compromisso e a prática dele, existem muitas tentações!!

O texto diz que Jesus estava “repleto do Espírito Santo”, uma frase somente usada em outras três ocasiões no Novo Testamento: Atos 6,5 e 7,55 (Estêvão) e 11,24 (para Barnabé). Jesus é o modelo para cristãos que sofrem pressões! Também o texto sublinha que ele era “conduzido pelo Espírito através do deserto”. O Espírito Santo não conduz Jesus à tentação, mas é a força sustentadora dele, durante as suas tentações. E como o Espírito dava força a Jesus, Lucas quer ensinar às suas comunidades que elas também poderão contar com este apoio do Espírito Santo nos momentos difíceis da vivência da sua fé!

Podemos reconhecer nas tentações as mesmas que nós, individualmente e comunitariamente enfrentamos na nossa caminhada da fé hoje! Vejamos: Primeiro, Jesus é tentado para mandar que uma pedra se tornasse pão. Podemos ver aqui a tentação do “prazer”- logo que enfrenta sofrimento por causa da sua ascese, Jesus é tentado a escapar dele! Uma tentação das mais comuns hoje, num mundo que prega a satisfação imediata dos nossos desejos, numa sociedade que cria necessidades falsas através de sofisticadas campanhas de propaganda. Uma sociedade de individualismo, onde a regra é “se quiser, faça!”, uma sociedade onde sacrifício, doação e solidariedade são considerados como ladainha dos perdedores! E a resposta de Jesus é contundente: “Não só de pão vive o homem”.( v. 4).

O homem vive de pão certamente, mas não só! Jesus não é nenhum masoquista, contra o necessário para viver dignamente. Mas salienta muito bem que não é somente a posse de bens que traz a felicidade, mas a busca de valores mais profundas, como a justiça, a partilha, a doação, a solidariedade com os sofredores. Não faz nenhum contraste falso entre bens materiais e espirituais – precisa de ambos para que se tenha a vida plena! Nesta frase, Jesus desautoriza tanto os que buscam a sua felicidade na simples posse de bens como os que dispensam a luta pelo pão de cada dia para todos!

A segunda tentação pode ser visto como a de “ter“. De novo algo muito atual! Nós vivemos na sociedade pós-moderna da globalização do mercado, do neo-liberalismo, do evangelho do mercado livre. Diariamente a televisão traz para dentro das nossas casas a mensagem de que é necessário “ter mais“, e que não importa “ser mais“! E como sempre, a tentação vem em forma atraente – até a Igreja pode cair na tentação de achar que a simples posse de bens, que podem ser usados em favor da missão, garantirá uma pregação mais evangélica. Somos tentados a não acreditar na força dos pobres, de não seguir o caminho do carpinteiro de Nazaré. Jesus também teve que enfrentar esta tentação – ele que veio para ser pobre com os pobres, para mostrar o Deus que opta preferencialmente pelos pobres, é tentado a confiar nas riquezas! Para o diabo – e para o nosso mundo que idoliza o bem-estar material e o lucro, mesmo às custas da justiça social, Jesus afirma: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a ele servirá”( v. 8).

A terceira tentação podemos entender como a do “poder”. Uma tentação permanente na história das Igrejas e dos cristãos. Quantas vezes as Igrejas confiavam mais no poder secular do que na fragilidade da cruz, para “evangelizar”. Quanta aliança entre a cruz e a espada – a América Latina que o diga! E ainda hoje todos nós enfrentamos esta tentação – não de ter poder para servir, mas de confiar no poder aparente deste mundo, mais do que na fraqueza aparente de Deus, assim contradizendo o que Paulo afirmava com toda força: “A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”( 1 Cor 1,25)

E ainda: “Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte (“(1 Cor 1,27). Jesus, que veio para servir e não para ser servido, que veio como o Servo Sofredor e não como dominador, teve que clarear a sua vocação e despachar o diabo com a frase: “Não tentarás o Senhor seu Deus“. Realmente, podemos nos encontrar nas tentações de Jesus! São as tentações do mundo moderno – o ter, o poder e o prazer! Todas coisas boas em si, quando bem utilizadas conforme a vontade de Deus, mas altamente destrutivas quando tomam o lugar de Deus em nossas vidas!. Jesus teve que enfrentar o que nós enfrentamos – o “diabo” que está dentro de nós, o tentador que procura nos desviar da nossa vocação de discípulos. E o trecho de hoje nos coloca diante da orientação básica para quem quer vencer: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a ele servirá”( v.8)

LEITURAS do I Domingo da Quaresma – Ano C:

1a) Dt 26, 4-10

2a) Rm 10, 8-13

3a) Lc 4, 1-13