23. Segunda-feira da 4ª S P

EVANGELHO DO DIA E HOMILIA (LECTIO DIVINA).

REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM

Situando
Jesus é o Bom Pastor que veio para que todas as pessoas tenham vida em abundância. O discurso sobre o Bom Pastor traz três comparações ligadas entre si: Jesus fala do pastor e dos assaltantes (Jo 10,1-5); Jesus é a porteira das ovelhas (Jo 10,6-10); Jesus é o Bom Pastor (Jo 10,11-18).

Temos aqui outro exemplo de como o Evangelho segundo João foi escrito. O discurso de Jesus sobre o Bom Pastor (Jo 10, 1-18) é como um tijolo inserido numa parede já pronta. Com ele a parede ficou mais forte e mais bonita. Imediatamente antes, em Jo 9,40-41, João falava da cegueira dos fariseus.

A conclusão natural desta discussão sobre a cegueira está logo depois, em Jo 10,19-21. Ora, o discurso sobre o Bom Pastor foi inserido aqui, porque, como veremos, ensina como tirar esse tipo de cegueira dos fariseus.

Comentando
Jo 10,1-5: 1ª comparação: entrar pela porteira e não por outro lugar
Jesus inicia o discurso com a comparação da porteira: “Quem não entra pela porteira, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Quem entra pela porteira é o pastor das ovelhas.” Naquele tempo, os pastores cuidavam do rebanho durante o dia. Quando chegava a noite, levavam as ovelhas para um grande redil ou curral comunitário, bem protegido contra ladrões e lobos. Todos os pastores de uma mesma região levavam para lá o seu rebanho. Um porteiro tomava conta de tudo durante a noite. No dia seguinte, de manhã cedo, cada pastor chegava, batia palmas na porteira e o porteiro abria. O pastor entrava e chamava as ovelhas pelo nome. As ovelhas reconheciam a voz do seu pastor, levantavam e saiam atrás dele para a pastagem. As ovelhas dos outros pastores ouviam a voz, mas elas não se mexiam, pois era uma voz estranha para elas. De vez em quando, aparecia o perigo de assalto. Ladrões entravam por um atalho ou derrubavam a cerca do redil, feita de pedras amontoadas, para roubar as ovelhas. Eles não entravam pela porteira, pois lá havia o guarda que tomava conta.

Jo 10,6-10: 2ª comparação: Jesus é a porteira
Os ouvintes, os fariseus (Jo 9,40-41), não entenderam o que significava “entrar pela porteira”. Jesus então explicou: “Eu sou a porteira das ovelhas. Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e assaltantes”. De quem Jesus está falando nesta frase tão dura? Provavelmente, se referia a líderes religiosos que arrastavam o povo atrás de si, mas que não respondiam às esperanças do povo. Não estavam interessados no bem do povo, mas sim no próprio bolso e nos próprios interesses. Enganavam o povo e o deixavam na pior. Entrar pela porteira é o mesmo que agir como Jesus agia. O critério básico para discernir quem é pastor e quem é assaltante é a defesa da vida das ovelhas. Jesus pede para o povo não seguir as pessoas que se apresentam como pastor, mas não buscam a vida do povo. É aqui que ele disse aquela frase que até hoje cantamos: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” Este é o critério!

Jo 10,11-15: 3ª comparação: Jesus é o bom pastor
Jesus muda a comparação. Antes, ele era a porteira das ovelhas. Agora, é o pastor das ovelhas. Todo mundo sabia o que era um pastor e como ele vivia e trabalhava. Jesus, porém, não é um pastor qualquer, mas sim o bom pastor! A imagem do bom pastor vem do AT. Dizendo que é o Bom Pastor, Jesus coloca em prática as esperanças da profecia e que são as esperanças do povo. Vejam, por exemplo, a belíssima profecia de Ezequiel (Ez 34,11-16). Há dois pontos em que Jesus insiste: (1) Na defesa da vida das ovelhas: o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas; (2) No mútuo reconhecimento entre pastor e ovelhas: o Pastor conhece as suas ovelhas e elas conhecem o pastor. Jesus diz que, no povo, há uma percepção para saber quem é o bom pastor. Era isto que os fariseus não aceitavam. Eles desprezavam as ovelhas e as chamavam de povo maldito e ignorante (Jo 7,49; 9,34). Eles pensavam ter o olhar certo para discernir as coisas de Deus. Na realidade, eram cegos.
O discurso sobre o Bom Pastor ensina duas regras como curar este tipo bastante frequente de cegueira: (1) Prestar muita atenção na reação das ovelhas, pois elas reconhecem a voz do pastor; (2) Prestar muita atenção na atitude de quem se diz pastor, a fim de ver se o seu interesse é a vida das ovelhas e se é capaz de dar a vida por elas.

Certa vez, na festa de posse de um novo bispo, as “ovelhas” colocaram uma faixa na porta da igreja que dizia: “As ovelhas não conhecem o pastor”. As “ovelhas” não foram consultadas. Foi uma advertência séria para quem nomeia os bispos.
Jo 10,16-18: A meta de Jesus: um só rebanho e um só pastor
Jesus abre o horizonte e diz que há outras ovelhas que não são deste redil. Elas ainda não ouviram a voz de Jesus, mas quando a ouvirem, vão perceber que ele é o pastor e vão segui-lo. É a dimensão ecumênica universal.

Alargando
A Imagem do Pastor na Bíblia
Na Palestina, a sobrevivência do povo dependia em grande parte da criação de cabras e ovelhas. A imagem do pastor guiando suas ovelhas para as pastagens era conhecida por todos, como hoje todos conhecemos a imagem do motorista de ônibus. Era normal usar a imagem do pastor para indicar a função de quem governava e conduzia o povo. Os profetas criticavam os reis por serem maus pastores que não cuidavam do seu rebanho e não o conduziam para as pastagens (Jr 2,8; 10,21; 23,1-2). Esta crítica aos maus pastores foi crescendo na mesma medida em que, por responsabilidade dos reis, o povo acabou sendo levado para o cativeiro (Ez 34,1-10; Zc 11,4-17).
Diante da frustração sofrida com os desmandos dos maus pastores, aparece a comparação com o verdadeiro pastor do povo, que é o próprio Deus: “O Senhor é meu pastor e nada me falta” (Sl 23,1-6; Gn 48,15). Os profetas esperam que, no futuro, Deus venha, ele mesmo, como pastor para guiar o seu rebanho (Is 40,11; Ez 34,11-16). E esperam que, desta vez, o povo saiba reconhecer a voz do seu pastor: “Oxalá, ouvísseis hoje a sua voz!” (Sl 95,7). Esperam que Deus venha como Juiz que fará o julgamento entre as ovelhas do rebanho (Ez 34,17). Surgem o desejo e a esperança de que, um dia, Deus suscite bons pastores e que o messias seja um bom pastor para o seu povo (Jr 3,15; 23,4).

Jesus realiza esta esperança e se apresenta como o Bom Pastor, diferente dos assaltantes que roubaram o povo ontem e o seguem roubando. Ele se apresenta também como o Juiz do povo que, no final, fará o julgamento como um pastor que sabe separar as ovelhas dos cabritos, isto é, os justos dos injustos (Mt 25,31-46). Jesus realiza a esperança do profeta Zacarias. Ele diz que o bom pastor será perseguido pelos maus pastores, incomodados pela denúncia que ele faz: “Vão bater no pastor e as ovelhas se dispersarão” (Zc 13,7). No fim, Jesus é tudo: é a porteira, é o pastor e é o cordeiro!